24/08/2018

Relação Cidade-Campo

Relação Cidade-Campo
Victor Hugo Junqueira


A Geografia Humana brasileira tem como temas centrais a questão agrária e a questão urbana, como produtos da relação da sociedade com o espaço construída historicamente. 
A compreensão da dinâmica agrária e urbana no Brasil deve partir do princípio de que o campo e a cidade embora apresentem suas particularidades, paisagens e modos de viver e produzir distintos, são também, espaço relacionais, complementares e interdependentes.
A criação de cidades só foi possível devido à produção de excedente agrícola no campo. A frase “se o campo não planta, a cidade não janta!” sintetiza bem esta relação histórica ente os dois espaços.
Atualmente, esta relação campo-cidade é mais complexa, marcada pela complementaridade do campo abastecendo as cidades com alimentos e matérias-primas e a cidade fornecendo recursos financeiros, tecnologias, serviços e manufaturados para o campo.
A cidade desempenha o papel de centralidade política e econômica, dessa forma, as decisões dos investimentos, dos financiamentos e da produção agrícola são realizadas nas cidades. A cidade influencia a produção no campo.
Também, é na cidade que os movimentos sociais de luta pela terra ganham força, na medida em que conseguem novos militantes e fazem deste um espaço privilegiado de protesto e luta.
Por outro lado, o campo adquire cada vez mais importância na medida em que a maior parte da população mundial vive nas cidades e não produz o seu próprio alimento. O campo, portanto, têm um papel fundamental na manutenção da vida e da dinâmica urbana.


O campo
O campo brasileiro tem passado por profundas transformações na história do país. A produção agrícola brasileira cresceu e diversificou-se ao longo do desenvolvimento e da formação do nosso país, para atender às áreas urbanas e indústria, tanto do mercado interno quanto do mercado externo.
Dados da Organização Mundial do Comércio (OMC), de 2010, já colocam o Brasil como o terceiro maior exportador agrícola do mundo, estamos atrás apenas dos Estados Unidos e dos países da União Europeia. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), o Brasil tem todas as condições estruturais para se tornar o maior exportador de alimentos do globo. Trata-se da maior área potencialmente cultivável do mundo, 22% das áreas agrícolas de todo planeta.
Nas últimas décadas a globalização da economia e a conjunção de ciência, técnica e informação produziram novas relações de produção no campo, caracterizadas cada vez mais pela utilização técnica e pelo aumento da produtividade. Esta agricultura moderna é conhecida como Agronegócio.
O agronegócio utiliza-se de grandes extensões de terra, praticam a monocultura (a especialização num só produto), investem pesado em pesquisa e em alta tecnologia para o aumento da produtividade, mecanização e empregam pouca mão-de-obra, empregando o uso intensivo de agrotóxicos, sementes transgênicas e implementos agrícolas altamente tecnológicos, produzindo em larga escala e atendendo o mercado internacional.
Todavia, este modelo apresentado com moderno e a “salvação da lavoura” guarda em si resquícios do antigo latifúndio, na medida em que têm como pilares a grande propriedade da terra, a exploração do trabalho e a concentração da riqueza. Segundo o professor Bernardo Mançano Fernandes (2005, p.2)
A fundação do agronegócio expandiu sua territorialidade, ampliando o controle sobre o território e as relações sociais, agudizando as injustiças sociais. O aumento da produtividade dilatou a sua contradição central: a desigualdade. A utilização de novas tecnologias tem possibilitado, cada vez mais, uma produção maior em áreas menores. Esse processo significou concentração de poder – conseqüentemente – de riqueza e de território

Estas considerações nos proporcionam elementos para entender que campo brasileiro é um permanente território de conflito. As formas de manifestação deste conflito modificaram – se no decorrer da história, mas convergiram no sentido da disputa da preservação da propriedade da terra e do seu controle político.
Neste campo de disputa a violência foi uma marca do processo de formação da sociedade brasileira. De acordo, com Ariovaldo Oliveira (2001, p.190) “os conflitos sociais no campo brasileiro e sua marca ímpar, a violência, não são uma exclusividade apenas do século XX. São, marcas constantes do desenvolvimento e do processo de ocupação do país”.
Os povos indígenas, os escravos, os negros libertos, os posseiros e camponeses historicamente foram vítimas dos conflitos agrários no Brasil. Atualmente, os números de assassinatos, tentativas de assassinato, prisões, famílias expulsas são uma pequena amostra da situação que configura os problemas sociais do campo no Brasil.
De acordo com dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT) No ano de 2010, foram registrados 1.186 conflitos no campo brasileiro, no mesmo ano houve um crescimento do número de assassinatos: 34, um número 30% maior que em 2009, quando foram registrados 26.
Além disso, os dados indicam que os conflitos por terra que envolvem expulsões, ameaças de expulsão, pistolagem, despejos e ameaças de despejo, tiveram um incremento significativo de 21%. Passaram de 528 em 2009, para 638 em 2010.
O mapa da violência no campo em 2010 mostra como os conflitos estão territorializados por todo o Brasil, mas especialmente, concentrados nas fronteiras de expansão agrícolas no Norte e Nordeste do Brasil.
Este mapa nos leva a entender que as manifestações de violência no campo brasileiro, vão muito além, dos casos que chamaram a atenção da opinião pública brasileira e internacional, como foram os casos do Massacre dos Carajás, o Massacre de Corumbiara, o assassinato de Chico Mendes e da Irmã Dorothy Stang.
As manifestações de violência são cotidianas e recorrentes, mostrando a contradição de um país que ao mesmo tempo em apresenta um grande potencial econômico agrícola no cenário mundial, convive com uma profunda e enraizada desigualdade e violência social no campo.


Referências
CPT – COMISSÃO PASTORAL DA TERRA.  Conflitos no Campo – Brasil 2010. Goiânia: CPT. 2011. Disponível em:
FERNANDES, Bernardo Mançano. Agronegócio e Reforma Agrária. [2005]. Disponível em: < http://www2.fct.unesp.br/nera/publicacoes/AgronegocioeReformaAgrariA_Bernardo.pdf>. Acesso em: 20 nov. 2011.

OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. A longa marcha do campesinato brasileiro: movimentos sociais, conflitos e Reforma Agrária. Estudos Avançados. [online]. 2001, vol.15, n.43, pp. 185-206. ISSN 0103-4014. Disponível em: Acesso em: 18 de nov. 2011.